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De olho nas tendências de comportamento da sociedade e no aquecimento do mercado dos chamado negócios sociais – empreendimentos com fins lucrativos que utilizam de mecanismos do mercado para promover impacto e transformar uma realidade social – fundos de investimento e investidores de capital de risco já investiram, só em iniciativas latino americanas mais R$ 1bilhão, entre 2014 e 2015.

Mas você sabia que uma abordagem de investimento semelhante também está disponível para as organizações do terceiro setor? Saiba mais sobre a não tão jovem, mas pouco conhecida Venture Philantopy.

Origem da Venture Philantropy

O conceito de Venture Philantrophy (VP) foi criado em meados da década de 1990, nos EUA, por filantropos que atuavam nas áreas de venture capital e private equity. Especula-se que a origem do conceito se deu a partir da publicação do artigo“Virtuous Capital: What Foundations Can Learn from Venture Capital”, na Harvard Business Review, em 1997.

O texto apontava que grande parte das instituições doadoras atuavam de forma pontual, sem se preocupar com a manutenção da infra estrutura e a sustentabilidade financeira das organizações sociais. Dessa forma, as ONGs estavam sempre gastando um tempo precioso na procura de novos parceiros e novas doações para seus projetos. Os autores defendiam que o investimento social deveria ser feito com base em algumas técnicas de capital de risco, tais como mensuração de risco e desempenho. Para eles, a empresa doadora deveria ter um relacionamento mais participativo e contínuo, capaz de auxiliar as organizações na promoção de estratégias para seu desenvolvimento.

O VP chegou à Europa nos anos 2000 e hoje o continente possui a principal associação de promoção do tema, a European Venture Philanthropy Association (EVPA). Segundo Doug Miller, cofundador e chairman da EVPA, a Venture Philanthropy é uma modalidade no campo da filantropia e do investimento social privado voltada para princípios chaves de financiamento a longo prazo e capacitação das organizações sociais. Seu objetivo é promover impacto social positivo por meio do fortalecimento e da sustentabilidade das organizações. Sua atuação é focada em três eixos principais:

Financiamento personalizado (Tailored financing):

Processo pelo qual uma organização de filantropia de risco ou um investidor social encontra os instrumentos financeiros mais adequados para apoiar uma organização de finalidade social.

Suporte Organizacional (Organisational support):

Oferta de serviços de apoio não financeiros para as organizações de cunho social, com o intuito de fortalecer a resiliência organizacional e promover a sustentabilidade financeira, desenvolvendo assim suas habilidades ou aperfeiçoando suas estruturas e processos.

Mensuração e gestão do impacto (Impact measurement and management):

Criação de métricas que auxiliem na identificação do que funciona ou não, para que a organização tenha condições de gerenciar melhor o impacto que promove.

Fonte: EVPA

 

Filantropia tradicional: semelhanças e diferenças

Na filantropia tradicional adotada por alguns investidores sociais, o foco da ação é voltado para a doação de recursos financeiros, muita vezes direcionado para algum  projeto específico. A Venture Philantropy  extrapola um pouco esse modelo mental, uma vez que o apoio prestado é sentido de uma forma macro por toda a organização.

Instituições empresariais ou fundações que adotam os princípios da VP em sua ações de investimento social buscam ativamente organizações que possam se beneficiar tanto de seus recursos financeiros como de seus recursos intangíveis, tais como mentoria e rede de contatos.  Assim como no mercado tradicional do capital de risco, elas priorizam alocar seus recursos em organizações iniciantes, diferentemente da filantropia tradicional, que tende a apoiar organizações mais reconhecidas e estabelecidas no setor.

É comum que o investimento seja feito em uma carteira de organizações que possuam sinergias e complementação de serviços, como por exemplo:  investir em uma organização de tratamento de câncer e em outra que promove pesquisa para o combate e prevenção a doenças oncológicas.

O investidor social que baseia suas atuação pela VP possui um relacionamento muito mais intenso e duradouro com a instituição. Sua aproximação orientada a uma atuação de longo prazo promove a troca de experiências e auxilia no fortalecimento da organização para que ela ganhe autonomia e não se torne dependente de uma única fonte de recurso.

Vale ressaltar, no entanto, que embora haja um paralelo entre as duas abordagens, a VP deve ser vista como mais uma ferramenta do investimento social privado e não como sua evolução, ou mesmo como uma abordagem que compete com a tradicional. Alguns críticos ainda argumentam que a Venture Philantopy é apenas um nome bonito para boas práticas já utilizadas por muitos investidores e organizações sociais.

 

O Panorama da Venture Philantropy no Brasil

No Brasil, o termo ainda não possui uma tradução padronizada, sendo chamado algumas vezes de Filantropia de Risco ou Filantropia Estratégica. Isso indica que a modalidade ainda é relativamente nova e sua atuação incipiente no país. Alguns estudos apontam que a América Latina, de forma geral, ainda possui uma cultura de investimento social assistencialista, de curto prazo e de execução direta.  

Com o objetivo de fortalecimento da rede, imersão conceitual e articulação de oportunidades para a implantação do VP na América Latina, em novembro de 2018, o GIFE organizou uma delegação com 20 representantes de empresas do Brasil, Peru, Chile, México e Colômbia para o maior evento de Venture Philantropy do mundo: 4a Conferência Anual da EVPA, realizada em Varsóvia, na Polônia.

Desde então, está sendo realizado um mapeamento de iniciativas brasileiras que se aproximam das premissas utilizadas pelo Venture Philantropy, com o intuito de promover estratégias e mobilizar a formação de uma rede conectada a ações de âmbito nacional e internacional.

Só em 2018, mais de 300 organizações latino americanas foram visitadas por membros da EVPA. A expectativa da associação é mobilizar os atores locais para a promoção de um ecossistema global, capaz de desenvolver soluções para problemas sociais complexos.