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Este artigo busca apresentar abordagens, indicadores de resultados e desafios da implementação e aproximação do investimento social ao negócio realizado por empresas, institutos e fundações empresariais. Este é um tema bastante presente em discussões sobre políticas e programas de investimento social privado, e pretende-se aqui identificar exemplos de como a temática tem sido abordada.

Segundo os autores Rafael Oliva e Francisco Azevedo, o alinhamento entre investimento social e negócio é uma tendência cada vez mais evidente nos posicionamentos estratégicos e de políticas de investimento social das empresas e suas fundações e institutos. Pois, é possível perceber tal fato a partir de estudos e pesquisas junto aos investidores sociais, cujos resultados demonstram que as iniciativas e posicionamentos ainda não são uniformes e cristalizados, conforme veremos adiante. Também, essa tendência acompanha a evolução de conceitos e atuação social das empresas, que desde os anos 90 vêm ampliando sua compreensão do valor que o investimento social traz para o negócio.

Nos anos 90, as empresas não possuíam áreas responsáveis pelo tema. Afinal de contas, o momento histórico era outro, o Estado havia deixado de estar mais presente em questões sociais, com isso a sociedade civil passou a se organizar em ações para minimizar problemas sociais. As empresas, então, direcionavam seus recursos de maneira filantrópica para ajudar iniciativas de caráter assistencial, acompanhando a forma de atuação da sociedade civil organizada. Naquele momento, não havia preocupação ou interesse de que as ações tivessem relação com o negócio, envolvimento de colaboradores ou visibilidade.

Já a partir dos anos 2000, a atuação social das empresas passou a ser olhada como um investimento de fato, sendo introduzida como uma área do negócio e, como todas as outras áreas, deveria obedecer às premissas básicas da gestão empresarial. Os recursos sob a perspectiva de um investimento estratégico passam a serem vinculados aos resultados e impactos sociais que devem ser acompanhados.

É importante ressaltar que, mesmo estratégico, o investimento social ainda não era considerado como parte prioritária do negócio. Essa realidade muda por volta de 2005, quando as empresas passam a ser cobradas por transparência, alinhamento com o interesse público e responsabilidade com o desenvolvimento social. Indicadores e pesquisas apontam que, hoje, tais pontos fazem parte do planejamento e iniciativas dos investidores sociais, demonstrando a importância do alinhamento do investimento social e o negócio.

Hoje: investimento social e negócio

Chegado ao momento presente, em que o tema de alinhamento do investimento social e negócio passou a ser amplamente discutido, buscamos entender o que de fato é esse alinhamento e como está sendo praticado pelos mais diversos investidores sociais no Brasil.

Em 2015, o GIFE realizou um levantamento junto de seus Associados para identificar, na prática, o entendimento e execução de seus investimentos sociais alinhados aos negócios. Na publicação, Alinhamento entre o Investimento Social e o Negócio, em que apresenta os resultados deste levantamento, foram identificadas 4 abordagens: Incrementalista, De Valor Compartilhado, Influência Social Estratégica e Inteligência Social de Negócios. Neste artigo, iremos focar no desenvolvimento das duas primeiras abordagens, por serem aquelas que, de acordo com pesquisas recentes, apresentam exemplos práticos consistentes e indicadores de resultados.

A abordagem Incrementalista busca criar pontes entre programas e projetos já existentes e a ação empresarial por meio do Investimento Social Privado. Nesse caso, os investidores sociais buscam:

ganhos reputacionais e de imagem;
engajamento de voluntariado;
construção de relacionamento com stakeholders locais (públicos, privados e moradores de comunidades).

Podemos notar que tal abordagem está bastante presente nas decisões dos investidores de acordo com Relatório BISC 2019, realizado pela Comunitas:

A abordagem de Valor Compartilhado tem como premissa que a atuação social se oriente para a geração de valor tanto para investidores sociais como para stakeholders locais. Nessa perspectiva, o investimento social não apenas apoia iniciativas já existentes como busca equilibrar interesses das empresas e comunidades para resultados mútuos. Para isso, os investidores sociais tem desenvolvido estratégias para o engajamento e participação dos stakeholders no processo de planejamento, visando obter, cada vez mais, impactos sociais positivos.

Porter e Kramer definem Valor Compartilhado como sendo o princípio “que envolve a geração de valor econômico de forma a criar também valor para a sociedade. Não é responsabilidade social, filantropia ou mesmo sustentabilidade, mas uma nova forma de obter sucesso econômico. Não é algo na periferia daquilo que a empresa faz, mas no centro. E, a nosso ver, pode desencadear a próxima grande transformação no pensamento administrativo.”

Alinhando investimento social e negócio na prática

A BASF, cliente do Prosas desde 2016, é um exemplo de política de investimento social alinhada ao negócio que busca a promoção do valor compartilhado. A estratégia da empresa visa empoderar pessoas e organizações para aprenderem umas com as outras, reforçando seu compromisso social em gerar resultado e impacto de longo prazo.

Uma das ações de atuação da BASF é a seleção de projetos nas comunidades em que a empresa está presente. Por meio de edital, a empresa apoia propostas que estejam alinhadas aos pilares:

1. valor compartilhado – contribuir para o desenvolvimento socioambiental e, ao mesmo tempo, realizar negócios rentáveis;
2. cidadania corporativa – participar do desenvolvimento social das comunidades.

Como forma de potencializar a ação e trazer um retorno imediato e de longo prazo para as instituições locais, a empresa oferece oficinas de elaboração de projetos. O resultado dessa ação? Em três anos, foram recebidas mais de 350 inscrições.

O Itaú, outro cliente do Prosas, também tem em seu planejamento estratégico a criação de valor compartilhado com seus stakeholders. Para isso, a empresa busca identificar as necessidades das localidades onde está presente para atuar em conjunto com a comunidade, por meio de apoios e parcerias com organizações da sociedade civil, visando o desenvolvimento social. Parte da seleção de projetos é feita por meio de editais, em 2019, foram mais de 1.200 projetos inscritos.

O posicionamento da BASF e do Itaú reforçam algo importante: quando pensamos em engajamento de stakeholders, a primeira coisa que, certamente, vem à mente é a localização e atuação nas comunidades do entorno das empresas. Tal concepção faz todo sentido, e Ian Thomson contribui para essa visão dizendo que “para uma empresa operar, é preciso conseguir no mínimo a anuência da comunidade, mas o ideal é que a pessoas vejam a operação como vantajosa. A partir desse momento, elas começam a se referir ao projeto como ‘nossa mina’ ou ‘nossa fábrica’. Elas se sentem donas também.

O relatório da BISC 2019, citado anteriormente, aponta que as empresas estão realmente ampliando sua participação na vida das comunidades. Este item aparece em primeiro lugar quando perguntado “O que leva a empresa a definir as estratégias e os recursos para o investimento social?”.

Já o Censo Gife 2018 identificou que o tema Desenvolvimento Local é praticado por 54% dos Associados, ocupando o quarto lugar na lista de temáticas de atuação. Para 85% dos Associados, os projetos apoiados são de um território específico, sendo a comunidade do entorno a prioridade para 43% deles.

Na busca desse cenário de engajamento propositivo, espera-se que as empresas conduzam um processo de escuta ativa para levantamento das reais necessidades dos stakeholders. Na prática, esse ponto ainda é um desafio, a participação de stakeholders externos (comunidade e representantes de OSCs) nas tomadas de decisão ainda é baixa, embora a participação seja relevante em Grupos de Trabalho, segundo o Censo Gife:

Essa perspectiva de atuação em territórios próximos das operações dos investidores sociais acaba destacando outro ponto de atenção: a concentração de recursos investidos. No Censo Gife, identificamos que a região Sudeste concentra a maior parte dos recursos investidos, uma vez que grande parte das operações e sede dos Associados é na região:

Esse panorama é importante para se ter em mente no planejamento de políticas de investimento social, uma vez que esbarra diretamente em um dos pontos mais presentes no alinhamento do investimento social ao negócio, o desenvolvimento territorial e engajamento de stakeholders.

Aproximando empresas e projetos para além do investimento

O alinhamento do investimento social e negócio envolve também benefícios para o engajamento de outros stakeholders, como os colaboradores das empresas. É o caso das ações de voluntariado corporativo que aproximam os funcionários às iniciativas apoiadas, estimulam que eles apresentem projetos conhecidos, realizem campanhas de mobilização interna e utilizem seus conhecimentos técnicos para capacitar ou apoiar organizações locais. Essa participação tem tido resultados diretos no sentimento de pertencimento, motivação e produtividade dos funcionários.

No relatório BISC 2019, o percentual de empresas que desenvolvem programas de voluntariado já é de 87%, o número de colaboradores envolvidos subiu de 36.316 para 41.732. O levantamento colabora para a tendência de que o alinhamento do investimento social ao negócio contribui para o engajamento dos funcionários, pois identificou que 92% das empresas perceberam que os colaboradores ficam mais satisfeitos com a empresa.

Por fim, o Censo Gife 2018 apresenta que 71% das empresas e 65% dos Institutos e Fundações Empresariais Associados afirmaram ter ampliado o alinhamento do investimento social ao negócio em relação à pesquisa de 2016. Ainda que 43% deles alinhe ao negócio por identificarem uma cobrança da sociedade sobre seu papel e atuação social, 39% o faz por compreender que o investimento social favorece e qualifica a aproximação de empresas com causas e demandas da sociedade.

Todos esses resultados das pesquisas apresentadas reforçam o que foi dito anteriormente, as abordagens Incrementalista e de Valor Compartilhado são aquelas com maior presença na atuação dos investidores sociais. No entanto, as abordagens acima não são exclusivas. Existe, portanto, um mix de atuação, com políticas e modelos híbridos, que variam de acordo com o tempo de atuação e de investimento social, tipos de governança, produtos e operações. Isso nos faz acreditar que esse tema não está esgotado e ainda pode ser bastante explorado por pesquisas e políticas de investimento social.

Perspectivas para o investimento social

Para o futuro, podemos aguardar ainda mais exemplos e oportunidades de atuação, uma vez que 71% dos Associados do Gife declararam que um dos principais objetivos estratégicos das empresas para a condução dos investimentos sociais nos próximos anos é aprofundar o alinhamento dos projetos sociais aos negócios, e esse número de novos investidores sociais pode trazer novas abordagens de estudos e também impactos sociais.

Uma ferramenta que auxilia a qualificação do alinhamento entre os projetos apoiados e a empresa patrocinadora é o monitoramento. Disponibilizamos um checklist com os principais passos para um acompanhamento eficiente dos projetos apoiados.

investimento social e negócio

Referências

BASF. BASF na América do Sul – Relatório 2018. Disponível em: https://www.basf.com/br/pt/who-we-are/sustainability/relatorio-anual-2018111.html

ROCHA, Liliane.Licença social para operar: temor ou valor?. Instituo Ethos, 2016. Disponível em: https://www.ethos.org.br/cedoc/ethos-gestao_licenca-social-para-operar-temor-ou-valor/#.XefG9HJYa14

COMUNITAS. BISC – Relatório 2019. Disponível em:https://bisc.org.br/publicacoes/

FERRETI, Michelle; BARROS, Marina. Censo GIFE 2018. São Paulo: GIFE, 2019.

OLIVA, Rafael. Alinhamento entre o investimento social e o negócio. São Paulo: GIFE, 2016.

AZEVEDO, Francisco de Assis. Investimento Social: legado e aprendizagens de uma trajetória inovadora. São Paulo: Do Autor, 2017.

Itaú Unibanco Holding S.A. Relatório de Sustentabilidade 2018 – Itaú Unibanco. São Paulo, 2019. Disponível em: https://www.itau.com.br/relacoes-com-investidores/relatorio-anual/2018/pdf/pt/relatorio-de-sustentabilidade-2018.pdf

FILHO, Raimundo Soares da S.; PARO, Roberta Mokrejs. Sustentabilidade e Poder nas Organizações. Fundação Dom Cabral, 2013. Disponível em: https://www.institutoorior.com.br/images/artigospdf/raimundo/livro/index.html