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Grande parte dos países latino-americanos passaram por uma recente consolidação democrática e um crescimento econômico impressionante nos últimos anos. Países como Brasil e México se destacaram e figuram atualmente na lista das 20 maiores economias do mundo. No entanto, o desenvolvimento financeiro não reverteu na mesma proporção as desigualdades sociais. Segundo a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe das Nações Unidas (CEPAL) a América Latina é a região mais desigual do planeta, e este se constitui como o principal desafio para o futuro da região.

Cenário Atual

De acordo com o estudo “Tendências do investimento social privado na América Latina” desenvolvido pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS), o apoio de instituições empresariais às ações de cunho social na América Latina caracteriza-se por seu teor assistencialista, com foco para correção de problemas e não para o combate de suas causas. As iniciativas geralmente são reativas e desarticuladas de uma atuação estratégica, e não priorizam sua sustentabilidade ao longo prazo. As doações ocorrem como rotina de um processo interno contábil-financeiro, no qual a relação entre empresa incentivadora e organização/comunidade se reduz ao momento da transferência do recurso.

No entanto, o estudo aponta que, apesar das fragilidades em relação ao foco das ações, o investimento social privado (ISP) na América Latina está passando por uma fase de crescimento e fortalecimento. Há um aumento na quantidade de recursos financeiros e humanos disponíveis, assim como maior conscientização das empresas e reconhecimento da sociedade sobre esse tipo de apoio.

Os principais países da região já contam com alguma instituição profissional que promove, estuda e gera conhecimento compartilhado a respeito do investimento social corporativo, como é o caso do Gife e IDIS no Brasil, GDFE na Argentina e Cemefi no México. Além disso, destaca-se ainda a construção de redes de intercâmbio e troca de experiências entre empresas e fundações empresariais acerca de suas práticas de ISP na região como é o caso da Rede América, o Fórum Empresa, a Rede Interamericana de Pesquisa da Responsabilidade Social e a plataforma Alianzas por Latinoamérica.

Os desafios da região

A pesquisa desenvolvida pelo IDIS destaca que o atual cenário delineado na América Latina impõe alguns desafios para o desenvolvimento pleno do investimento social corporativo na região. A instabilidade política e ineficiência em processos públicos administrativos, assim como a tendência de adoção de governos populistas nos principais países latino-americanos promovem uma conjuntura fragilizada do papel do Estado na consolidação e desenvolvimento de políticas públicas.

A região, de forma geral, é carente de uma cultura de doação consolidada, pois ONGs são alvos de desconfiança, uma vez que possuem poucas práticas de gestão e transparência. A falta de monitoramento, avaliação e divulgação do impacto desenvolvido contribui para que muitos doadores desconheçam o destino de suas doações.
Ainda há muita desconfiança das duas partes envolvidas no processo de investimento social: das reais intenções de quem investe e da idoneidade das organizações que recebem os recursos. O estímulo aos processos de prestação de contas poderia aumentar o potencial de disseminação de boas práticas e auxiliar na escalabilidade de algumas iniciativas. O investimento social, assim como seus resultados, precisam ser acompanhados e comunicados para além das portas da empresa incentivadora.

Um exemplo prático de como a falta de comunicação pode prejudicar a percepção é o fato de que prevalece uma ideia errônea na qual acredita-se que empresas apoiam projetos sociais apenas para se beneficiar de incentivos fiscais. No entanto, estudos mostram que grande parte dos aportes são feitos via recursos próprios. No caso brasileiro, o BISC mais recente confirma essa tendência.

Investimento Social na América Latina: Oportunidades

Nos últimos anos, tem-se destacado formas inovadoras e híbridas de investimento social. São modelos que combinam abordagens do setor social com práticas do setor privado, tais como o empreendedorismo social e a filantropia de risco. De acordo com o Panorama do Setor de Investimento de Impacto na América Latina, no período de 2014 a 2015 foram alocados cerca de US$ 1,2 bilhão em investimentos na região. O Brasil se posicionou como o segundo maior mercado neste tipo negócio, perdendo apenas para o México.

A adoção de uma relação mais horizontal entre quem doa e quem recebe ajuda no combate ao assistencialismo, fortemente impregnado nos apoios concedidos às instituições latino-americanas. Promover que o financiamento de projetos adote critérios de desempenho e aplique indicadores de resultados, proporciona a transparência da relação e auxilia na coleta de dados do setor para análise e disseminação de informação.

A globalização da economia latino-americana tem contribuído para que o investimento social privado extrapole fronteiras. A publicação “Recursos privados para la transformación Social – Filantropía e inversión social privada em América Latina hoy” aponta a tendência de fundações e empresas no aporte de recursos em ações sociais em outros países no qual atua. O estudo salienta que as equipes responsáveis pelo investimento social privado precisam conhecer bem os novos territórios para, assim, poderem adaptar os programas de ISP do país de origem à comunidade de interesse.

Vale destacar que muitas ações de grande impacto são realizadas de forma local, por pequenas organizações denominadas por grassroots organizations. Devido à sua estrutura, este tipo de instituição possui dificuldades de captação, embora sejam responsáveis por garantir a capilaridade de iniciativas sociais em lugares mais longínquos. Por isso, o processo tradicional de seleção de projetos deve ser desenhado para a contemplar uma maior diversidade de propostas, pois muitas vezes as convocatórias são tão complexas e burocráticas que deixam de fora estas pequenas organizações de grande potencial que trabalham junto à comunidade.

O Papel do investimento social privado na transformação da América Latina

O estudo “Organizações de Base, Redes Intersetoriais e Processos de Desenvolvimento Local – O Desafio da Sustentabilidade”, desenvolvido pela Prattein em parceria com a Rede América, apresenta casos de sucesso realizados no Peru, Brasil e Colômbia no qual diferentes fundações empresariais dos três países apostaram no apoio de organizações de base como estratégia de promoção do desenvolvimento local.

A análise destas experiências indicou que fomentar o desenvolvimento institucional dentro das organizações é tão importante quanto financiar os projetos por elas executados. Provê-las das ferramentas e recursos necessários para se desenvolverem de forma autônoma é uma forma de se distanciar do modelo assistencial-paternalista tão presente nas ações de investimento social dos países latino-americanos.

A publicação ressalta que o investimento social privado pode ser uma alternativa eficiente para a promoção do desenvolvimento local, sobretudo em uma região cheia de contradições e carências como é o caso da América Latina. Para tanto, é preciso apoiar a sustentabilidade das instituições, por meio de uma rede colaborativa intersetorial, para que elas sejam capazes de criar novos projetos, se fortalecerem organizacionalmente e assim potencializarem a transformação social de seu entorno.

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