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José Oliveira Junior
Pesquisador em Políticas Culturais, atuou como consultor UNESCO para a implantação do Sistema Nacional de Cultura em MG (2012-2013) e em diversas instituições públicas e privadas


Lei Paulo Gustavo e a participação social

Um dos principais desafios trazidos pela Lei Paulo Gustavo e a Lei Aldir Blanc é a participação social. Principalmente porque participação é um processo, demora. Pode ser que seja necessário realizar mais de uma chamada para discussão pública, uns cinco ou seis encontros no mínimo só para vencer resistências. As duas leis trazem a obrigatoriedade de que os editais sejam construídos de forma participativa, por meio de escutas públicas, audiências, reuniões públicas, consultas públicas e conselhos de política cultural.

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Mas isso exige preparação e organização mínima para participação. Como fazer para tornar efetivas essas participações que visem a construção dos planos de ação da Lei Paulo Gustavo e dos quatro anos de Lei Aldir Blanc? Planejar esses encontros tendo algumas referências como base é fundamental. Vamos lá?

Primeiro, é importante ressaltar que as diversas formas de escutas públicas fazem parte de um conjunto de práticas chamado controle social, um dos princípios das sociedades democráticas. Implementar formas de controle social não é tão difícil, basta seguir alguns apontamentos e lembrar que participação social não se resume a um evento onde você e sua equipe convocam pessoas para ouvir o que elas têm a dizer e pronto. Participação desse jeito só é feita porque é obrigatória ou “para não dizer que não fez” e pacificar a sociedade civil.

O segundo ponto é que escuta pública, reunião pública, audiência pública, e outras formas de participação são diferentes dos conselhos. Enquanto as primeiras são mais “eventos de participação pontual”, os conselhos são (ou deveriam ser) espaços de participação continuada, de amadurecimento das questões sobre a cidade, o município ou as regiões, de aconselhamento dos gestores e de definição de prioridades e diretrizes para as políticas públicas de uma determinada área.

As duas formas de participação são complementares, então as escutas e reuniões públicas devem ser ferramentas importantes dos próprios conselhos e das conferências para ampliar a participação social para questões mais amplas. E vale lembrar que a participação social não acontece somente em reunião pública, escuta pública e conselho. A militância e o ativismo são formas participativas importantes e devemos lembrar que precisam ser incorporadas de alguma forma.

Há diversos mecanismos de controle social que podem ser utilizados concretamente pelos gestores, tais como:

  • Acesso à informação e transparência pública;
  • Audiência Pública, realizada pelos legislativos;
  • Conferência de Políticas Públicas;
  • Conselho de Políticas Públicas;
  • Ouvidoria Pública;
  • Controle social exercido por meio das novas tecnologias de informação comunicação (consultas simplificadas, por exemplo).

A transparência é um elemento essencial e obrigatório para o exercício da participação social e deve ser sempre observada pelos gestores. Apresentamos a seguir dois diferentes tipos de transparência: ativa e passiva.

Transparência ativa
As informações são disponibilizadas ativamente pelo poder público, sem que haja uma solicitação prévia específica.

Transparência passiva
As informações são disponibilizadas a partir de solicitações de acesso à informação realizadas pelos cidadãos ao poder público.

A participação social

Mobilizar a sociedade é algo que exige diversas formas de abordar, divulgar e incentivar a participação. Compreender o que motiva as pessoas a sair do conforto do seu descanso e ir aos encontros e ações que realizamos é uma tarefa-desafio que sempre se fará presente.

Além de chamar os artistas e fazedores da cultura, é importante envolver os cidadãos comuns: professores, agentes de saúde, outros conselhos, conselhos escolares, comissões locais de saúde, entre outros. Isto pode servir ao fortalecimento do conselho local e das diversas formas de participação.

Importante lembrar que normalmente há pouco espaço para discussão continuada, então a sociedade civil, por não ter tantas oportunidades de fala, age como se estivesse “desabafando” quando é chamada a participar. Sim, ela vai reclamar e muito, e isso é compreensível. Então, você, gestor municipal, não tem por que se assustar!

A sociedade não tem a noção clara do que precisa ser feito de início ou de como articular sua própria demanda. Isso quer dizer que não sairá um “manual” de uma escuta feita no afogadilho, nos moldes do “faça isso que será bom”. Normalmente, as pessoas sabem de imediato o que “não querem” e vão apontar as falhas ou lacunas que elas acham que existem. Isso não quer dizer que lhe falte discernimento, mas reforça que a participação social é processo, amadurecimento e cabe também ao poder público colaborar para que funcione.

Exatamente por não saber bem o que precisa ser feito ou como deve ser feito, o processo participativo da sociedade exige atenção e paciência histórica. Em um determinado lugar, por exemplo, realizar um primeiro edital é uma conquista importante, mesmo que o edital não seja exatamente como a sociedade tenha desejado. Em outro lugar, a criação de um setor responsável pela cultura será um avanço imenso. Noutro lugar, ainda, a criação de uma comissão para discutir como será a programação de um espaço cultural local é o avanço necessário e possível. Assim, cada lugar terá um estágio diferente na formalização das políticas de cultura, por isso é necessário entender que não são uma, duas ou até três gestões que irão solucionar todos os problemas.

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Para organizar a participação

A forma de convidar as pessoas para os encontros participativos é fundamental. Portanto, pensar em como fazer as pessoas saberem que os encontros vão acontecer é parte central no processo. É necessário que haja diversidade de formas de divulgar, o que deve ser compreendido para além da obrigatoriedade de qualquer mecanismo de fomento. Além de panfletar, fazer chamadas em rádio/TV ou outras ações semelhantes, comunicar os encontros participativos de forma eficaz requer mobilização. Mobilizar significar levar as pessoas ao “movimento”. Para isso, é necessário pensar criativamente em como incentivar sua participação e entender que encontros esporádicos não geram confiança no cidadão comum, muito menos no artista.

Antes de tudo, liste as entidades, instituições, grupos e organizações que atuam nas comunidades. Liste também os artistas, grupos artísticos e outras lideranças comunitárias. Faça encontros prévios (ou preparatórios), com menor rigor possível de formato, pois isso pode facilitar os processos de confiança e de agregação.

Pensar em abordar diretamente lideranças comunitárias, em criar um calendário de encontros participativos, em vários horários para ampliar as possibilidades de participação, com linguagens diferentes para públicos diferentes são alguns exemplos. Pode-se também abrir espaço para que artistas locais se apresentem ao início e ao final dos encontros, o que pode ser uma forma de tornar menos pesada a ideia de passar um longo tempo nas rodas de discussão.

É importante que um gestor valorize qualquer quantidade de pessoas que tenha aparecido nos encontros e procure incentivá-las a trazer mais agentes no próximo encontro. Dê mais valor à qualidade da conversa do que à quantidade.

Nos encontros em si, o formato também faz a diferença. Por exemplo, evite pessoas sentadas em fileiras, como numa sala de aula, pois pode constrangê-las a falarem abertamente. O melhor é que a disposição das cadeiras seja em semicírculo. Prepare uma caixa de som e microfone, mas não deixe ninguém constrangido. Ideal é ter microfone sem fio e ir passando no meio das pessoas, diminuindo a distância geral. Por isso a participação às vezes pede vários encontros de menor porte como preparação, ao invés de um grande encontro em um ginásio. Além disso, a organização mínima na sala e uma recepção das pessoas à medida que chegam, ajudará todos a se sentirem menos tensos.

Pense em um lanche mínimo, deixando disponível água, café e algum biscoito. Nada muito grande e, preferencialmente, não tenha um momento específico de café ou intervalo. Planeje o horário do encontro levando em consideração que as pessoas têm mais liberdade de falar quando já estão mais enturmadas, por isso, os momentos de lanche devem ser parte dos encontros. E, como um único encontro não é suficiente para que a pessoa fique desinibida, talvez seja melhor que haja poucas pessoas.

Outro ponto importante é informar com calma o que está sendo discutido, intercalando explicação sobre o tema e espaço para perguntas. Lembre-se: não há pergunta óbvia, então qualquer pergunta precisa ser respeitada e anotada. Se não tiver respostas de pronto, não se preocupe, o importante é tentar não deixar ninguém sem resposta.

Também é necessário estar atento ao fato de que algumas pessoas das comunidades têm uma fala mais desinibida e podem querer falar a todo momento. Isso exige muita atenção por parte de quem é gestor, pois não se pode cercear a fala da pessoa, mas também não pode deixar que ela deixe os outros constrangidos por falar o tempo todo. Por isso, é importante estabelecer de início algumas regras de convivência no encontro. Ressaltamos que o termo é convivência mesmo, pois nem sempre as pessoas são preparadas ao longo da vida para a convivência e isso vem desde criança. Tenha empatia! Tanto com quem fala muito quanto com quem não tem muita coragem de falar.

Ao abrir os encontros, além de explicar sobre o que vai ser falado (não adianta ter cem assuntos, então escolha temas específicos pra facilitar a sua própria vida e a vida das pessoas que toparem conversar), explique sobre a dinâmica que vai ser usada, sobre a abertura às propostas, sobre a necessidade de ouvir a todos que estão ali, e sobre o fato de que aquele momento não servirá pra resolver todos os problemas do mundo.

Conforme-se de que boa parte dos participantes terá mais facilidade de dizer com o que não concorda ou do que não gosta do que efetivamente propor algo de imediato, como dissemos antes. Em geral, pelas poucas oportunidades públicas de encontro ou de fala nas nossas cidades, conferências ou reuniões públicas são espaço de catarse, onde as pessoas extravasam, expõem, discordam de tudo. Tenha paciência, entendendo que faz parte do processo e que com um pouco de tempo, a aproximação entre os participantes vai resultar em um diálogo mais fluido, menos parecido com ataque. Mostre que você se solidariza com eles e que os encontros terão a função de ajudar a melhorar o quadro das coisas no município.

Algo que é difícil de falar, mas cabe muito bem aqui, diz respeito à confiança. Confiança não é algo que se conquista de um dia para o outro, por isso é preciso colocar-se o tempo todo, não rebater o que as pessoas falam, baixar a guarda. Não desqualifique uma fala, seja ela qual for. Você chamou porque quer ouvir o que as pessoas têm a dizer, não se esqueça disso nunca.

No decorrer dos encontros, é importante ouvir, anotar e registrar. Discutir alternativas e encaminhar (ou votar para definir, caso não se chegue a um consenso). Uma dica importante é delegar atividades de secretaria para algumas pessoas, abrir espaço. Peça para alguns participantes anotarem as discussões e, ao final, sua equipe ou você mesmo pode reunir as anotações e compartilhar com os demais. Mostre que você está ali a serviço, para colaborar. Chegar com tudo já definido para as reuniões com as comissões e conselhos não resolve. Ninguém gosta de se sentir induzido, ameaçado ou sem entender o que está sendo tratado ali.

Incentive as pessoas a voltarem e a continuarem a discussão, a verem as coisas avançando. Para isto, é importante que você dê retornos a cada encontro.

Como agir onde não há Conselho

A Lei Paulo Gustavo estabelece que os municípios se comprometam com o fortalecimento e a implantação de seus sistemas municipais de cultura:

Art. 4º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que receberem recursos oriundos desta Lei Complementar deverão comprometer-se a fortalecer os sistemas estaduais, distrital e municipais de cultura existentes ou, se inexistentes, implantá-los, com a instituição dos conselhos, dos planos e dos fundos estaduais, distrital e municipais de cultura, nos termos do art. 216-A da Constituição Federal.

LEI COMPLEMENTAR Nº 195, DE 8 DE JULHO DE 2022 (Lei Paulo Gustavo)

Assim, os conselhos e conferências são a parte mais importante no processo de implementação da Lei. Portanto, onde há conselhos, todo o processo deve passar por eles. Nas localidades onde ainda não há conselho ou o conselho existe e não está ativo, a própria comissão da Lei Paulo Gustavo pode ter a atribuição de acompanhar a elaboração e implantação do Conselho Municipal de Política Cultural. Caso necessário, convide para o processo membros do Conselho Estadual de Política Cultural do seu estado ou de conselhos de cidades vizinhas que estejam em funcionamento para colaborar com o processo da comissão na implantação do Conselho Municipal.

Conclusão

Esperamos que essas dicas possam auxiliá-los a promover amplos espaços de escuta e participação social, fundamentais para a implementação de programas de fomento à cultura, como as Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2.